O funk brasileiro, que se iniciou nos bailes de favela e hoje permeia casamentos, festas universitárias e grandes eventos, ganhou espaço até mesmo nos Jogos Olímpicos de Paris, quando a ginasta Rebeca Andrade encantou o mundo ao som de “Movimento da Sanfoninha”, de Anitta, e “Baile de Favela”, de MC João. Esse reconhecimento foi formalizado em julho, com a criação do Dia Nacional do Funk, a ser celebrado anualmente em 12 de julho.
Apesar da relevância, o gênero ainda enfrenta resistência nos conservatórios e universidades. Com o objetivo de mudar esse cenário, o músico e pesquisador Thiago de Souza, também conhecido como Thiagson, propôs em sua tese de doutorado na USP uma nova teoria musical que analisa o funk como música eletrônica da diáspora africana.
Uma crítica ao elitismo acadêmico
Para Thiagson, o preconceito contra o funk está diretamente ligado à sua origem nas periferias, como ele mesmo explica:
— O funk representa a música marginal, preta e periférica que historicamente ficou de fora das universidades.
Em seu livro “Tudo o que você sempre quis saber sobre funk… mas tinha medo de perguntar”, lançado em 2023, e no Canal do Thiagson no Instagram (com 142 mil seguidores), o pesquisador aborda temas como preconceito contra o funk, letras explícitas, mitos sobre os bailes e a formação social do gosto musical.
A trajetória e as raízes do funk
Embora o funk carioca tenha pouca ligação com o funk estadunidense de James Brown, ambos compartilham a consciência racial e o uso político da música. Segundo Thiagson, o funk brasileiro é uma derivação do hip hop norte-americano, incorporando influências como o electrofunk dos anos 1980, com destaque para a batida clássica do Volt Mix.
O primeiro disco de funk produzido no Brasil, “DJ Marlboro apresenta Funk Brasil”, lançado em 1989, marcou o início de uma identidade própria para o gênero no país.
Diversidade dentro do funk
Hoje, o funk é multifacetado, com estilos que refletem as vivências das comunidades onde é produzido. Entre eles:
- Funk consciente: com letras voltadas para questões sociais.
- Trap-funk: batida mais lenta e minimalista.
- Funk 150 bpm: acelerado e enérgico.
- Mandelão: predominante nos bailes de favela de São Paulo, com subdivisões como automotivo e bruxaria.
Thiagson destaca o caráter democrático e criativo do funk, que muitas vezes é produzido com equipamentos simples, como gravações caseiras enviadas via WhatsApp.
A pesquisa como resgate cultural
Nascido no sertão da Bahia e criado no ABC Paulista, Thiagson enfrentou o elitismo da música clássica durante sua formação, o que o levou a sentir vergonha de sua origem periférica. Hoje, ele resgata essas vivências em sua pesquisa de doutorado, orientada pelo professor Walter Garcia, do Instituto de Estudos Brasileiros da USP.
— Muita coisa da minha pesquisa vem da minha própria vivência. Estou mais no funk do que na academia, convivendo com DJs, produtores e conhecendo as formas de pensar musical em diferentes estados — conta Thiagson.
O funk como símbolo de resistência
Assim como o samba e a capoeira, o funk brasileiro é uma expressão cultural que resiste ao preconceito e à marginalização. Para Thiagson, sua pesquisa é uma forma de legitimar o funk como patrimônio cultural e musical, reconhecendo-o como uma manifestação vibrante da diáspora africana nas Américas.
— A arte ensina que você não precisa de grandes meios para comover e transformar. O funk é isso: som de preto, de favelado, mas que move o Brasil — conclui o pesquisador.